09 outubro 2014

Reino de Espelhos



Senhores, este reino cujo fruto deliciam, já existia antes de chegarem, como numa semente jamais regada por qualquer um dos seus. Este reino tem uma história que merece ser contada e com toda certeza ampliada. Mas é uma história que tem sido ignorada, o que não surpreende alguns de nós, quando com olhos mais atentos vemos seus esforços para encobri-la.
Antes de mais nada, lembrem-se dos que já estiveram aqui: os fundadores do reino. Estes tem recebido o mesmo tratamento por parte dos senhores. Podem continuar neste exercício de memória? Nós os ajudaremos: existiam fotos de todos os pioneiros. Incrível, pois, elas tão bem ilustravam a história. Uma surpresa a menos, pois foram retiradas das paredes. Perdeu-se qualquer ligação entre a pedra fundamental e o chão de granito que os senhores pisam.


Os anos significativos chegam, os chamados jubileus. Os senhores resolveram comemorá-lo. Não tiveram escrúpulos ao promover suas imagens cheias de empáfia, bem como daqueles que os levaram a reinar, mencionando os pioneiros de maneira tímida como meros participantes casuais. Tudo parte de um plano para convencer a todos de um faccioso marco zero, porém fica sempre uma questão: seu luxo e sua riqueza flutuam, ou o reino está alicerçado numa base ignorada, para que os senhores não dividam a honra? Os senhores enterram a história, numa grande ironia pontuada por sorrisos forçados, pois ao invés de luto, fazem festas.
Sabemos bem que a historia raramente tem um ponto final. De alguma forma ela desbrava a vontade humana e continua. Os senhores estavam bem atentos a isto. Começou ai uma maneira de dividir aqueles que sabiam a verdade sobre o marco zero em pelo menos dois grupos: aliados e inimigos.
Os aliados são aqueles que embora soubessem a verdade, não tem maior apreço por ela, caso alguma vantagem possam adquirir do reino presente. Venderam a alma, o que para tais é foi preço barato.
Já os inimigos, alguns deles aliados por um tempo, descordaram de suas práticas, foram enviados de um lado para o outro do reino, perderam toda referência que tinham, se enfraqueceram, sendo assim fácil eliminá-los. Em meio a isso ficou notável a estratégia dos senhores em recolher informações sobres aliados e inimigos, para serem usados contra eles, num momento cuidadosamente escolhido para os interesses do ‘reino’.
Foi assim que os senhores estenderam o comprimento de seus braços, alcançando um reino ainda maior. Colonizaram todo aquele lugar à sua maneira. Convenciam a todos que podiam, que os senhores são escolhidos e santos, por seu pragmatismo. Com tanto riqueza acumulada puderam amenizar o calor, tornar os bancos da plateia mais confortáveis. Manipulavam com tanta maestria que fizeram quase todos acreditarem que seus palácios malditos eram banhados do ouro que lhes era devido, e não da soma de seus parcos centavos recolhidos. Alcançaram admiração à custa da ignorância.
O tempo passava, e ninguém mais ousava falar sobre a história. O que é estranho, pois o seu reino se assemelhava a um túmulo, com seu monumento erguido que antagoniza o que há em baixo. A identidade que os senhores quiseram para o reino, essa os senhores conseguiram, ou seja, nenhuma. Não existiam pedras lavradas, fotos amareladas, os herdeiros dos pioneiros não tinham lugar em vossas mesas. Outra surpresa a menos ao vê-los ignorando os talentosos, visionários, fraternos, de boa intenção e criativos; para simplesmente posicionar no reino pessoas de confiança.
Quando os senhores consideraram preciosas demais sua própria criação, foram rápidos em colocar bigodes postiços em seus filhos, para tentar dar-lhes uma autoridade artificial. Fizeram deles também senhores, com discursos inflamados sobre o solo que eles jamais haviam posto os pés. Os senhores conseguiram, foram muito bem sucedidos em espalhar espelhos pelo reino, cujo reflexo torna tão nítido o que os senhores são.

Muitos se deram conta da obra vergonhosa deste reino e se foram. Porém como reino não o consideram mais, antes sim, como uma prisão da qual hoje se sentem livres. E estão livres para viver para um Rei honroso, digno do reino que os senhores jamais conheceram.




2 comentários:

  1. Exelente texto para refletirmos nesse tempo político em que vivemos.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigado Ediza, realmente esse texto veio numa hora bem oportuna. Beijos!

      Excluir